Esse blog passa a reproduzir, nas próximas semanas, a entrevista feita com JEAN PIAGET, em 1969, que elucida muitos aspectos do seu pensamento e de sua obra. É especialmente interessante para educadores, cientistas do comportamento e para aqueles que querem conhecer mais sobre o desenvolvimento da inteligência e a personalidade desse grande pensador, lembrando sempre que a obra do Professor Lauro de Oliveira Lima foi toda baseada nas teorias de Jean Piaget, com quem manteve relacionamento científico e a quem apresentou todo o trabalho de construção do Método Psicogenético.
Equipe do Blog Lauro de Oliveira Lima
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Reportagem: Jean Piaget
Revista «Primera Plana»
28 de janeiro de 1969
28 de janeiro de 1969
Uma colaboração de Héctor
Álvarez
______1º parte______
O que é inteligência? Qual seu desenvolvimento na
criança? A inteligência é ligada ao nível social? Atualmente, a pessoa mais
qualificada para responder a essas perguntas é, incontestavelmente, o suíço
Jean Piaget, de 72 anos1, cujos trabalhos são célebres no mundo
inteiro. A revista L´Express, associada a «Primera Plana», entrevistou o
cientista. Foi uma ótima oportunidade para conhecer suas opiniões
sobre pontos importantes como a psicanálise, ou o significado final de sua
atividade como investigador. Doutorado em ciências, biólogo apaixonado pela epistemologia e pela lógica, pela teoria do
conhecimento científico, sua vocação para detectar os pontos importantes que
acompanham a aventura do conhecimento humano fizeram dele um «psicólogo» de
relevante influência sobre essa disciplina. Seus admiradores gostam de lembrar
que quando fez 10 anos publicou um artigo sobre certa classe de pássaro albino
que causou assombro entre os especialistas; que antes de fazer 15 anos, seus
artigos sobre moluscos eram conhecidos na Europa toda. É apaixonante penetrar na sua obra começando pela
trilogia: O nascimento da inteligência (1936), A construção do real (1937) e a
Formação do símbolo (1945). Seguida por uma grande quantidade de livros,
conferências e a sua tarefa docente em A Sorbonne e na Faculdade de Ciências de
Genebra.
Você é biólogo, portanto, um cientista que se dedica à psicologia. Para
você, a psicologia é uma ciência exata?
Ciência exata é uma expressão que não tem um
significado absoluto. Existem todos os níveis entre as ciências realmente
exatas, formais, como a matemática, a lógica e as ciências experimentais. A
física, todos sabem, é muito mais exata do que a psicologia, a biologia também.
Mas acho que há continuidade entre a experimentação em biologia e a
experimentação em psicologia.
Mas, para você, a psicologia é uma ciência?
Sim, porque ciência é, em primeiro lugar, uma
disciplina na qual se pode delimitar e dissociar os problemas, enquanto na
filosofia, por exemplo, todos os problemas são solidários. Esta delimitação
permite os controles. E quando existe controle e quando os pesquisadores podem
corrigir-se uns aos outros e chegar, por aproximações sucessivas, a algum
resultado mais exato, temos uma ciência experimental.
Você pesquisou, principalmente, com crianças. Você descobriu constantes
suficientes que permitam definir regras gerais?
Bem, há mais de 40 anos faço este trabalho. A cada
ano, a cada semana fico mais surpreso com a convergência das respostas. Quando
levantamos um assunto novo, obtemos respostas que aparecem regularmente, por
volta de 5/6 anos, outras por volta de 7/9 anos, outras em torno de 9/11 anos,
outras, enfim, no período da pré-adolescência (estádios de desenvolvimento).
Depois de interrogar algumas crianças, pode-se estar certo de que se encontrará
o mesmo, indefinidamente.
Indefinidamente, mas com uma certa categoria de crianças de raça branca
pertencentes à sociedade suíça?
Ah, sim! Mas o grande problema é o dos estádios
psicológicos. Descobrem-se etapas de formação cuja descrição demonstra ordem de
sucessão. Quando se modifica a civilização, é claro, surgem acelerações e
atrasos, mas continua existindo sempre a mesma ordem de sucessão. Vou dar-lhe
um exemplo. Nossos colegas canadenses, Pinard, Laurendeau e Boisclair aplicaram
nossos testes nas crianças da Martinica. O exemplo é instrutivo, porque os
alunos da Martinica seguem o programa francês até a obtenção do certificado de
estudos primários. Pois bem, eles constataram um atraso, em relação aos
resultados obtidos em Genebra, Paris ou Montreal, de quatro anos em média na
formação das operações lógicas. Mas a ordem de sucessão foi a mesma.
E por que esses quatro anos de atraso? Há alguma explicação?
Sim. A explicação baseia-se na indolência do meio
social adulto.
Chegamos, assim, à sociologia.
Certamente, o meio social é fundamental. Mas não tanto
quanto o processo biológico. Esta sucessão de estádios, cada um necessário à
formação da etapa seguinte, lembra muito a embriologia.
Se o meio social é essencial, pode-se dizer, então, que não existe
igualdade escolar porque não há igualdade social?
Isto é verdade em relação ao nível cronológico, mas
não é verdade em relação à sucessão dos estádios. Nos Estados Unidos, por
exemplo, certos testes foram modificados, na medida em que o "quociente
intelectual" já não é mais aceito como medida da inteligência, isto porque
se percebeu que esse quociente diminuía sistematicamente nas crianças das
classes pobres. Se os testes aplicados a essas pessoas no visassem a performance, como o fazem todos os
testes de inteligência, mas sim o desenvolvimento do raciocínio, como tentamos
fazê-lo, ver-se-ia, então, que os indivíduos apresentam níveis similares.
Mas o que é a inteligência?
A inteligência é a capacidade de adaptação a situações
novas. É antes de tudo compreender e inventar.
Qual é a relação entre nível social e a inteligência?
O desenvolvimento da inteligência supõe que o
indivíduo tenha interesses, curiosidades, etc. Se o meio social for rico em
estimulações, se a criança provém de meio familiar que agita ideias e onde se
propõem problemas, haverá um avanço no desenvolvimento. Se o meio social
desconhecer esses elementos, haverá, inevitavelmente, atraso.
Em suma, a inteligência seria como um músculo: quanto mais usado, mais
se aperfeiçoa ...?
Quase isto, pois é necessário um mínimo de capacidade.
O que não sabemos é o que garante ao indivíduo este mínimo de possibilidades,
potencialidades.
Quais são os estádios de desenvolvimento da inteligência?
Antes da linguagem já existe inteligência
sensório-motora. É uma inteligência prática que inclui as condutas
instrumentais, tais como alcançar um objeto colocado sobre o tapete, puxando o
tapete para si ou utilizando um bastão para aproximar um objeto.
Aproximadamente o nível da inteligência do macaco.
Sim. Mais tarde, por volta dos 2 anos, aparece, com a
linguagem, a função semiótica, isto é, a inteligência representativa, mas que
não atinge ainda as "operações", no significado limitado que se dá a
este termo de "ação interiorizada e reversível", como a soma e a
subtração, que são o inverso uma da outra, e, sobretudo, a coordenação, em estruturas
de conjunto, como os grupos matemáticos, as redes, as classificações.
A partir dos 7 anos a criança maneja essas operações,
ao passo que, antes dos 7 anos, encontra-se num estádio pré-operatório.
Esta reversibilidade traduz-se, em particular, por um
fenômeno muito nítido, a conservação.
Antes das operações, a não-conservação;
depois das operações, a conservação
das quantidades, dos conjuntos, do peso, etc.
Pode dar-nos um exemplo?
Certamente. Para experimentar a conservação, toma-se
uma bolinha de massinha e transforma-a em salsicha. A criança que observou você
fazer isto, afirma que há mais massinha no segundo caso (na salsicha) do que no
primeiro (na bolinha), porque a salsicha é mais comprida, ou, então, que há
menos massinha porque a salsicha é mais fina. Isto acontece até os 7/8 anos.
Quando, porém, atingem a conservação da substância, isto não significa que
admita a conservação do peso. Assim, poderemos ouvir: "Há a mesma
quantidade de massinha, é claro, mas é evidentemente mais pesada (a salsicha),
porque é mais comprida". Ou: "É menos pesada porque é mais
fina".
Por volta dos 9/10 anos, a criança alcança a
conservação do peso, mas não admite ainda a conservação do volume. Ao se
colocar a bolinha dentro de um copo com água, a criança observa a elevação
subsequente do nível da água, mas pensa que a salsicha ocasionaria uma elevação
ainda maior, por ser mais comprida, etc. O desenvolvimento destes diferentes
estádios segue-se em ordem precisa.
O que ocorre com a afetividade em tudo isto?
A meu ver, a afetividade é fundamental para animar;
representa o "motor". E preciso interessar-se pela coisa para
dedicar-se a ela. A carga afetiva é necessária, mas não creio que ela modifique
as estruturas da inteligência.
Existem também níveis de desenvolvimento da afetividade?
É claro que existem, mas sem apresentar a mesma
nitidez. Há muito tempo, estudei num bebê um lindo fenômeno ligado à noção do
objeto. Inicialmente o bebê não tem a noção do objeto. Quando lhe damos um
objeto que provoca seu interesse, ele estende a mão para pegá-lo.
Mas, se em seguida o cobrimos com uma tela, o bebê
retira sua mão. Crê que o objeto desapareceu. Por volta dos 9/10 meses,
contudo, começa a procurar remover a tela, buscando o objeto atrás dela. Esse
fato coincide com o que Freud chama de "o interesse objetal", ou
seja, o interesse pelas pessoas.
Contudo, os estádios (afetivos) não apresentam a mesma
sistematização; existem alterações, mas não há sempre a mesma sucessão. Os
estádios freudianos não são fenômenos estruturais comparáveis aos da
inteligência, estruturas que se integram umas nas outras. Os fenômenos afetivos
são caracteres dominantes, tais como o estádio oral, anal, etc., que
desempenham papel em todos os níveis. São menos nítidos.
Continua...
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